Há uma estatística que incomoda e persiste ao longo dos anos: as mulheres são minoria nos cursos das chamadas ciências duras, como Agronomia, Medicina, Engenharias, Física, Química ou Geociências. Das 13 faculdades da Universidade de Brasília (UnB) que ofertam habilitações dentro desta grande área, a quantidade de mulheres só é maior em cinco delas. A Faculdade do Gama (FGA), onde só existem cursos de Engenharia, é a que apresenta a maior disparidade: o número de homens matriculados é quase quatro vezes maior.
Pensando em reverter essas estatísticas, docentes do Departamento de Ciências da Computação (CIC) criaram o projeto Meninas na Computação ou Meninas.comp. O objetivo é mostrar que a área da computação pode ser acessível a todos, e promove, assim, o ensino da tecnologia para meninas em escolas públicas do DF.
Criado em 2010, o projeto faz parte do Programa de Extensão de Ação Contínua e é coordenado pelas professoras Aleteia Araújo e Maristela Holanda do CIC. Atualmente, está presente em 11 centros de ensino e conta com a participação de graduandas do CIC como monitoras. "O Meninas.comp é importante para apresentar às alunas um novo universo do qual elas podem fazer parte. O projeto abre novas possibilidades dentro da Ciência e, principalmente, da Computação", declara Carolina Soares, estudante de Engenharia da Computação, que foi monitora do projeto e também participou do grupo quando cursava o ensino médio.
Uma das ações da equipe consiste em visitas regulares a escolas para capacitar os professores, para que eles estejam aptos a realizar as atividades com as estudantes do ensino fundamental e médio. Nessas visitas, as escolas recebem kits de programação, a metodologia de ensino e o auxílio para a realização das práticas. Após esta etapa, ocorrem outras reuniões para o acompanhamento dos resultados. Além disso, as integrantes da iniciativa e os professores realizam pesquisas em conjunto sobre as questões de gênero na Ciência.
INCENTIVO – O contato com o Meninas.comp estimula o autoconhecimento das alunas participantes, uma vez que muitas descobrem ter realmente afinidade com a área de exatas. "Até eu entrar no projeto, eu pensava que Computação se resumia a rede social. Eu só fui enxergar a grandeza disso depois que eu entrei no projeto. Tecnologia é o futuro, isso é algo inegável, é algo para o qual temos que nos preparar. Eu ficaria para trás, se não fosse o projeto", declara Alice Borges, estudante de Engenharia da Computação e que participou do projeto quando estava no ensino médio.
Outro ponto interessante é que as estudantes também desenvolvem a sororidade, que é a união e a empatia entre mulheres. "O projeto também cria uma rede com a qual você pode contar e pedir apoio", afirma Kailany Ketulhe, estudante de Ciências da Computação e monitora do programa, quando se refere às dificuldades cotidianas enfrentadas pelas estudantes. Dessa forma, fica clara a vontade de as meninas em dar continuidade à iniciativa. "Procuramos dar todo o apoio para que elas não se sintam só", complementa a monitora Hanani Emanuelle, estudante de Engenharia Mecatrônica.
TRANSFORMAÇÂO – A iniciativa mantém-se por meio de doações e incentivos de órgãos de amparo à Ciência – como CNPq, Ministério da Ciência e Tecnologia, Ministério Público do Trabalho e a própria UnB – , e transformou, além da vida das meninas, a vida das professoras envolvidas. Após nove anos, a professora Maristela acompanhou sua percepção social aumentar: “É um aprendizado a cada dia. Aprendo muito com essas meninas, escutando as histórias e entendendo o processo, que antes não enxergava. Era muito fechada em mim. Com o projeto, consegui visualizar muita coisa que acontece ao meu redor e eu não percebia por estar na zona de conforto”.
Para a professora Aleteia, a sua identificação com as estudantes é um fator que a motiva bastante: “Quando eu me vejo agente modificador do futuro das meninas, para mim é emocionante. Isso mexe comigo, por que vim de uma origem pobre, passei fome e necessidade, então quando vejo que posso tirar essas meninas de uma situação simples e ajudá-las a aumentar o padrão de vida delas, isso me comove. É isso que me motiva”.
As integrantes concordam que o papel do projeto é muito maior do que simplesmente apresentar o mundo científico e computacional: é dar novas possibilidades. “O projeto abre um leque de opções”, destaca Kailany.
FUTURO – Relatórios e estudos de grandes empresas, como a Google, apontam que projetos desenvolvidos em conjunto por ambos os gêneros tendem a apresentar resultados melhores, quando comparados aos produzidos por equipes homogêneas. “É importante termos homens e mulheres trabalhando para resolver determinado problema, só que hoje a participação das mulheres é menor”, explicita Maristela Holanda.
Para que o Meninas.comp alcance um número maior de escolas, existe o desejo de apresentá-lo ao governo. “Espero que a Secretaria de Educação compre o nosso projeto e o leve para todas as escolas. É um projeto de baixo custo e simples, há condições de expandi-lo. Os kits são muito baratos. Os adolescentes terão atividades que despertam o interesse, independente de gênero”, frisa Aleteia Araújo.