Uma noite marcada por reflexões filosóficas, com referências a Foucault, Freud, Descartes e especialmente Nietzsche. Foi assim que a poetisa, filósofa, psicóloga e psicanalista Viviane Mosé prendeu a atenção do público que praticamente lotou o auditório do Centro Cultural da ADUnB na noite desta segunda-feira (23).
A palestra marcou a abertura da 19ª Semana Universitária 2019 (Semuni), reunindo membros da comunidade acadêmica e também pessoas de fora da Universidade. De maneira abrangente, Mosé estabeleceu paralelo entre as questões inerentes à história da humanidade e os dilemas do contexto contemporâneo.
“Não estou de preto por acaso. É um manifesto em função de dois acontecimentos trágicos recentes: o terrorismo de estado do Rio de Janeiro que vitimou uma criança e o caso do estudante que tirou a própria vida neste campus, na sexta-feira passada”, justificou logo no início de sua apresentação.
Acompanhando há dez anos os índices de suicídio no Brasil e no mundo, a filósofa considera preocupante o fato de a depressão ser a doença mais incapacitante deste século. “Justamente quando a farmacologia revolucionou a medicina psiquiátrica, nunca fomos tão deprimidos, medicados e suicidas”, apontou.
Em sua visão, a sociedade atual está obrigando as pessoas a viver como autônomas e como máquinas, sem direito ao desequilíbrio, à dor e à frustração, os quais ela considera inerentes ao ser humano. “A dor rasgada é o que faz produzir conhecimento, somente o homem é capaz de transformar a frustração em arte, em vida.”
Para Viviane Mosé, estamos vivendo um momento de transformação e crise, que atinge diretamente dois eixos do processo civilizatório: a racionalidade e a verdade. “Ou desconstruímos a razão e a verdade ou elas vão desabar sobre nossas cabeças. A ideia da verdade é a maior mentira que a gente já criou. Nós somos vítimas da manipulação da informação”, refletiu.
Um dos desafios que se coloca nesse processo se trata, portanto, da desintegração do modelo lógico-racional, que foi levado à exaustão neste século. Mosé disse acreditar que o mundo se aproxima de um colapso da verdade, que por sua vez leva à queda das instituições e à guerra da informação.
A convidada destacou que, composta de seres virtuais por excelência, a humanidade tem consciência da linguagem, por ser a mais elaborada e sofisticada estrutura deste planeta. A palestrante traçou uma linha histórica de como a humanidade foi se constituindo ao longo dos principais períodos evolutivos, da idade das cavernas ao século XXI.
“A era da sociedade em rede implica o rompimento de linhas. Hoje nos conectamos pelos computadores, na virtualidade, por meio de nós e fluxos”, afirmou. Segundo ela, este ambiente propiciou as dicotomias e a polaridade do mundo atual, que opõe bem e mal, bonito e feio, certo e errado.
Como solução a esse imbróglio, Mosé destacou que é preciso aproveitar este campo de forças para promover um espaço em que indivíduos sejam intelectualmente livres. Sobre as dificuldades que as universidades brasileiras vêm enfrentando, a palestrante salientou que é preciso aprender a construir novos modos de produzir ciência.
“Não é o saber ou o conhecimento que faliu, mas a racionalidade. Precisamos produzir uma rede entre as redes. As lutas têm que se articular em princípios comuns. As universidades públicas não devem formar apenas para o mercado, mas serem espaços para o livre pensamento. O mundo só muda quando ele desaba”, sintetizou.
ENCONTRO TRANSFORMADOR – Estudante de Antropologia, Isabela Ferreira ficou instigada a conhecer mais de perto o trabalho de Viviane Mosé, uma vez que pretende desenvolver projeto de pesquisa na Universidade. “Eu achei a exposição incrível e com um tom muito animador nesse momento de desnorteamento.”
Embora já conhecesse a filósofa, o estudante de Relações Internacionais Henrique de Oliveira disse que se sentiu estimulado a questionar diversas coisas a respeito da vida: “Foi uma chuva de ideias que realmente me deixou provocado a rever o que são verdades e não verdades”.
Na opinião do graduando, a escolha não poderia ter sido mais propícia para abrir a Semana Universitária de 2019, tendo em vista que a palestra abordou questões diversas relacionadas ao contexto acadêmico, provocando a pensar e repensar o papel da universidade.
EXTENSÃO – Durante o evento, a decana de Extensão (DEX), Olgamir Amancia, apresentou o resultado do II Concurso de Fotografia de Extensão – uma forma de dar “visibilidade aos projetos e também ressignificar a fotografia como arte e resgate da memória”.
Confira os três primeiros colocados:
- 1º lugar: UnBeatables – foto de Raphael Braccialli de Loyola
- 2º lugar: Roda das minas – foto de Letícia Alves Braga
- 3º lugar: Observa Pop Rua – foto de Hoffman Miranda de Oliveira
As dez melhores fotografias estão em exposição no Centro Cultural da ADUnB ao longo da Semuni.
Para a decana, esta edição da Semana Universitária já tem o que comemorar, pois conseguiu reunir mais de 800 ações. “São múltiplos diálogos, com uma agenda de inclusão e reflexão, capaz de fortalecer a rede da Universidade e seu compromisso de ser verdadeiramente pública”, disse.
>> Confira a programação da 19ª Semuni
“Em meio a tantos desencontros que formam, a Universidade se propõe a promover encontros que transformam”, comentou o vice-reitor Enrique Huelva sobre a temática. Para ele, o evento é uma oportunidade de trazer a sociedade para dentro da universidade e mostrar toda sua riqueza e diversidade.
Essa também foi a mensagem deixada pela reitora Márcia Abrahão. “Precisamos divulgar o nome da nossa instituição para todos os cantos, pois somente com o apoio da sociedade mostraremos nossa importância e compromisso público. A UnB se destaca no cenário nacional e internacional, mas não descuida das pessoas.”
A apresentação cultural da noite ficou por conta do duo Fuá do Cerrado, composto por estudantes de Música da UnB, os violonistas Luciana Lins e Léo Brito. No repertório, eles apresentaram canções populares de compositores brasileiros e o hino nacional.
A Semana Universitária segue por toda a semana, com palestras, oficinas, cursos, minicursos, rodas de conversa, cines-debates, workshops e exposições. O evento é uma ação do DEX, que conta com apoio de diversos setores e unidades acadêmicas da UnB.