Promoção da qualidade de vida marca Semana Universitária. Rodas de conversa e práticas integrativas de saúde acolheram públicos universitário e externo

Estudante se movimentam na Dança Sertaneja. Foto: André Gomes/ Secom UnB
Estudantes movimentam-se na Dança Sertaneja. Foto: André Gomes/Secom UnB

 

Corpo embalado pelo ritmo sertanejo. O vai pra lá e vem pra cá, somado aos giros habilidosos de casais dançantes, animou o intervalo do almoço desta quarta-feira (26), no Instituto Central de Ciências (ICC) da UnB. O dia foi dedicado à promoção da saúde mental na Universidade de Brasília. Por trás dos passos de alegria e animação dos dançarinos, histórias de superação revelam o poder curativo da dança.

 

“Eu não tinha fome nem vontade de fazer nada. Me sentia triste o tempo todo e tinha crises intensas de choro”, relata a jovem de 18 anos, estudante de Letras – Inglês na UnB, cujo nome será omitido a pedido, para proteção de privacidade. “Não fui ao psicólogo porque meus pais têm certo preconceito, mas eu sabia que não estava bem. Percebi que estava com crises de ansiedade e no início de uma depressão”, conta.

 

Em busca de mudança, a jovem decidiu ocupar a mente com mais estudo. “Não deu certo. A faculdade era o que mais me causava estresse e ansiedade. Eu vim da escola pública e meu inglês era defasado, não alcançava a fluência exigida no início do curso”, explica. Com a dificuldade em acompanhar as aulas, veio o sentimento de inferioridade e a exclusão. “Todos os dias eu chorava e pensava em desistir do curso", compartilha. O quadro persistiu até o terceiro semestre.

 

A superação começou com o acolhimento em um projeto inesperado. “Entrei para o sertanejo e foi quando tudo mudou. Fui recebida com muita gentileza e comecei a fazer amigos.” A estudante refere-se ao projeto de extensão Dança Sertaneja da UnB. “A dança ajudou a me preencher e a colocar para fora tudo o que eu sentia, mesmo sem usar palavras. É como um remédio para mim”, explica a jovem.

 

A experiência da universitária retrata a importância de atividades diversificadas na promoção da saúde mental. “A visão de saúde tem que ser holística porque engloba componentes físicos, psicológicos, culturais, sociais, antropológicos, filosóficos. Por isso nossas intervenções devem ser complexas, com esporte, arte, cultura e práticas integrativas”, destacou o decano de Assuntos Comunitários, André Reis, na roda de conversa Vamos falar abertamente sobre saúde mental e suicídio?.

Comunidade participa de diálogo sobre saúde mental e suicídio. Foto: Beto Monteiro/Secom UnB

 

A roda de conversa teve a participação de outros docentes da UnB em interação com o público presente. Professor na disciplina Felicidade, no campus do Gama, Wander Pereira falou sobre o nível mais extremo da depressão, quando o indivíduo cogita tirar a própria vida. “Há várias teorias sobre os porquês dessa situação, mas o motivo principal é que a gente fica triste. Quando se chega a esse ponto, o suicídio não é alternativa para nada, ele é justamente a ausência de alternativa.”

 

Combater essa lacuna é o objetivo da disciplina ministrada pelo docente. “Queremos contribuir para que os estudantes sejam capazes de experienciar o ambiente acadêmico de maneira diferente, fazendo com que esse momento seja mais feliz.” Embasada em experiências de sucesso em importantes universidades, a matéria propõe aos alunos a elaboração de um projeto que envolva felicidade e seja implementado no campus ao fim do semestre.

 

Questionado pelo público sobre a expansão da disciplina a outros campi, o docente disse que há pretensão de ampliar a oferta, mas ressaltou a importância de "não criar expectativas de soluções para problemas que não serão resolvidos apenas com a disciplina”. “A UnB tem ampliado os espaços para estudantes buscarem auxílio. É importante procurar essas instâncias”, reforçou, referindo-se à rede de apoio psicológico da instituição.

 

A roda também oportunizou diálogos sobre uso de drogas, adoecimento no ambiente de trabalho e humanização da relação entre professor e aluno. Uma acadêmica de Direito, que preferiu não ser identificada, questionou sobre relacionamentos abusivos que acontecem em sala de aula. 

 

“De onde vem essa arbitrariedade de professores com os quais não há diálogo, que tratam alunos como se fossem súditos? Tive uma colega que entregou um atestado de saúde justificando a ausência durante uma semana em que esteve doente. O professor a assediou perguntando se ela achava que aquilo era um troféu”, compartilhou.

 

A professora Ana Magnólia, do Instituto de Psicologia, orientou os alunos a denunciarem situações de violação pelos canais formais. “Procure a Ouvidoria, os decanatos, os serviços institucionais de apoio. Também é importante ocupar os espaços onde você tem voz, como os centros acadêmicos, o DCE e os colegiados”, indicou.

 

Docente de Terapia Ocupacional na UnB Ceilândia, Andrea Gallassi informou que as coordenações estão se mobilizando para sensibilizar os professores e pediu compreensão. “Não podemos usar o mesmo mecanismo de opressão adotado pelo docente para buscar mudança na sua postura. Por outro lado, é preciso verificar até onde vai nossa capacidade educativa e aquilo que a ultrapassa, partindo para uma esfera de possível denúncia.”

Prática de ioga foi uma das atrações da quarta-feira da saúde mental. Foto: Raquel Aviani/Secom UnB

 

MENTE E CORPO SAUDÁVEIS – Para contemplar a diversidade e pluralidade da comunidade universitária e do público externo, as atividades oferecidas foram variadas. Prática de ioga, de tai chi chuan, de biodança e de meditação estavam entre as opções. 

 

“Felicidade, compaixão e gratidão. Sinta a calma da sabedoria e o sorriso da compaixão. Respire e tome consciência da vida. Respirar significa estar vivo aqui e agora”, orientou o monge Sato, que conduziu a atividade Roda de conversa e meditação. Por meio da energia estimulada com a prática, o líder incentivou os participantes a “superar o sofrimento gerado por ego, raiva, revolta, indignação, preconceitos, ignorância e costumes arraigados”.

 

A psicanalista Lilian Campos veio à UnB para participar da atividade e aprovou a iniciativa. “O monge fez uma meditação voltada para a saúde mental. Ele também trouxe a contribuição da visão budista na prevenção ao suicídio e acho importante essa troca com a Universidade”, opinou ela, que já é praticante do budismo.

 

Mente e corpo também foram exercitados na Prática de automassagem, coordenada pelo médico Marcos Freire, especialista em Práticas Integrativas em Saúde. A atividade em roda foi conduzida com técnicas para estimular a percepção e o relaxamento do corpo. Comandos inusitados para leigos orientavam a prática: “Respire e solte o seu corpo. Bata palmas e esfregue as mãos, neste gesto que diz 'agora vou me dar bem'. Bata os pés e sinta o impulso que sobe pelas pernas. Estique o corpo pensando na vida que vem da terra e se estende até o céu”, dizia o médico, que encerrou a atividade com dança.

 

Repensar padrões socioculturais nocivos à saúde mental foi a proposta da coletiva Roda das Minas, com a roda de conversa Você sabe o que é masculinidade tóxica?. Entre as conclusões construídas coletivamente no bate-papo, está a ideia de que a masculinidade tóxica baseia-se em padrões preconceituosos, misóginos, que relacionam uso da força física e da agressividade como expressão de masculinidade, desvalorizam a mulher e tornam seu corpo objeto disponível a ser disputado e usurpado pelos homens.

 

“Em relacionamentos passados, com homens cuja masculinidade estava atrelada a esse estereótipo, eu não me sentia confortável, porque eles não conversavam sobre sentimentos. Isso me causou vários problemas psicológicos. Agora estou em um relacionamento com um homem que expressa sua sensibilidade, isso me mudou na forma de lidar com meus próprios sentimentos e vivências”, compartilhou a integrante da coletiva e estudante de Gestão de Políticas Públicas Letícia Zamarion, de 19 anos.

 

Para a universitária, a masculinidade tóxica nega aos homens a possibilidade da fragilidade, tanto física quanto mental. “Eles deixam de ir ao médico tanto para fazer um exame de próstata como para procurar ajuda psicológica.” O apontamento foi confirmado pelo estudante de Audiovisual Pedro Buson, de 24 anos. Ele conta que só procurou ajuda psicológica após insistência da namorada.

Roda das Minas abriu oportunidade para rapazes participarem do diálogo. Foto: Beto Monteiro / Secom UnB
Roda das Minas abriu oportunidade para rapazes participarem da conversa. Foto: Beto Monteiro/Secom UnB

 

“Quando eu sentia raiva, por exemplo, minha tendência era uma atitude introspectiva. Isso ia se acumulando dentro de mim até que, num momento de estresse, eu simplesmente perdia o controle. Minha namorada chegou a falar que sentiu medo, quando, para extravasar, eu dei uma porrada na parede”, relata.

 

Junto com a análise terapêutica veio a quebra de tabus e preconceitos. “É mentira que se o cara vivencia seus sentimentos ele está sendo menor. Esse estereótipo nos limita e adoece, por não permitir pensar ou sentir diferente do padrão exigido”, opina Pedro. Hoje ele recomenda a todos a busca por um profissional de saúde mental. “Todos temos uma questão pessoal para lidar. A análise é um caminho para se entender e se conhecer. Somente em paz conosco poderemos estar em paz com o mundo”, aconselha.

 

Tanta mudança em sua forma de pensar o motivou a produzir um curta-metragem sobre a construção da masculinidade no imaginário de um pré-adolescente de 13 anos. O filme tem lançamento previsto para 2019. “Se a gente mudar nossa forma de pensar, dando exemplo para nossos irmãos, sobrinhos e filhos, mudaremos a forma como o futuro vai pensar. Aí, sim, mudaremos o mundo.”

 

SEMANA UNIVERSITÁRIA – A quarta-feira dedicada à saúde mental integrou a Semana Universitária, composta por outras ações dedicadas ao bem-viver. Nos quatro campi da UnB, institutos, faculdades e centros somaram esforços em torno da temática. Saiba mais sobre políticas e eixos de atuação da Universidade em prol do bem-viver da comunidade acadêmica.

 

>> Confira fotos das atividades do dia 26 de setembro

 

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