Ludmila Grego Maia é doutora em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e professora do curso de Enfermagem da Universidade Federal de Jataí (UFJ). Atualmente, é Pró-Reitora de Extensão, Cultura e Esporte na UFJ e Coordenadora da Regional Centro-Oeste do Fórum dos Pró-Reitores de Extensão das Instituições Públicas de Ensino Superior (Forproex). Nesta entrevista, ela fala sobre os desafios para a consolidação da inserção curricular da extensão, mas também sobre as mudanças positivas que o protagonismo da Extensão Universitária pode causar na educação superior.
Primeiro, gostaria que você falasse um pouco sobre sua trajetória acadêmica e como começou sua relação com a Extensão Universitária.
Sou Enfermeira, atuei desde a minha formação no SUS e em 2010 entrei para a carreira docente. Doutora em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Goiás e mestre em Ensino na Saúde pela mesma instituição. Especialista nas áreas de Saúde da Família (UNAERP - 2005); Epidemiologia (UFG - 2009); Regulação em Saúde (UFG - 2011), Preceptoria no SUS (Sírio Libanês - 2017), Análise de Situação de Saúde (2019). Sou professora adjunta no curso de enfermagem da Universidade Federal de Jataí na cadeira de saúde coletiva e em 2019 fui convidada para coordenar a extensão e cultura da então UFG - Regional Jataí, cerca de 2 meses nesta coordenação, a Universidade foi emancipada e virei Pró-Reitora Pró-Tempore de Extensão, Cultura e Esporte. Enquanto docente, sempre desenvolvi ações de extensão e quando cheguei para a pró-reitoria, já tinha familiaridade e aproximação com a extensão. Nesta pró-reitoria, tive o prazer e privilégio de encontrar pessoas brilhantes e de longa trajetória e luta em espaços políticos, com as quais fui aprendendo cada dia um pouco e conseguindo organizar na UFJ documentos, resoluções e norma-tivas para extensão universitária. Coordeno atualmente o Fórum de Extensão e Cultura da Região Centro-Oeste (FORPROEX CO). Minhas linhas de pesquisa são: avaliação e gestão de serviços públicos com ênfase em regulação em saúde, atenção primária à saúde, educação permanente e análise de situação de saúde.
De acordo com a estratégia 12.7 do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024, 10% dos créditos curriculares dos cursos de graduação devem ser destinados à extensão. Como os Projetos Pedagógicos dos Cursos de Graduação (PPCs) têm se adequado, tanto na Universidade Federal de Jataí (UFJ) quanto nas outras Instituições que você acompanha como Coordenadora da Regional Centro-Oeste do Forproex?
O movimento na UFJ iniciou em meados de 2019, quando na ocasião juntamente com a UFG, nossa tutora, foi criado um grupo de trabalho entre Extensão e Graduação para discutir uma resolução conjunta. Com a emancipação da UFJ, no final deste mesmo ano, criamos um GT interno e membros das coordenações de extensão e graduação começaram discussões sistemáticas para construção de uma resolução interna. Neste processo, recebemos a visita virtual de outras universidades que já estavam em processo mais avançado, para ouvir experiências e elaborar um documento que fosse capaz de atender ao disposto no Plano Nacional e na Resolução 07/2018. Essa resolução foi discutida em duas reuniões ampliadas e em vários outros momentos nas unidades acadêmicas da instituição. Ao final de um longo período dialógico, democrático e co-gestado, conseguimos aprovar em abril de 2021 a nossa Resolução. Atualmente os cursos estão em processo de mudança do PPC. São vários desafios para consolidação da inserção curricular, mas merece destaque a ausência de um sistema que seja capaz de atender à interface entre a extensão e a graduação, além das resistências e micropolíticas internas, pois o currículo ainda é visto em muitas situações como espaço de poder.
Quais são os desafios que coordenadores de curso têm enfrentado para vincular atividades extensionistas aos componentes curriculares dos cursos?
Na UFJ, optamos por creditar a extensão a partir das cinco modalidades de extensão, não incluímos o formato de disciplinas, o que facilitou e descomplicou o processo. No entanto, enfrentamos o desafio relacionado à customização no Sistema de Gestão de Atividades Acadêmicas (SIGAA) integrar os dados registrados na extensão com os do ensino, contudo, esbarramos na limitação orçamentária.
A Curricularização tira a Extensão do plano de fundo, como atividade complementar, e traz um protagonismo para essas ações. Acha que pode proporcionar um aperfeiçoamento – quantitativo e qualitativo – na interação com a sociedade?
Não tenho dúvidas que a extensão trará um protagonismo para a universidade, abrindo um espaço para que ela seja mais democrática e inclusiva, alcançando pela extensão aquelas pessoas que não estão aqui em outros espaços. A partir do momento em que ela vem para o centro do currículo, estimula a comunidade acadêmica a olhar para o território e identificar as necessidades prementes da sociedade, alinhando expectativas para definir conjuntamente o caminho de ações que serão necessárias. Pela extensão, a Universidade se aproxima da comunidade, ressignifica sua atuação, rompendo com a lógica excludente de que é um espaço para poucos. A inserção da extensão nos currículos tem o potencial de renovar a educação, reconhecendo-a como espaço de aprendizagem, onde o diálogo e o encontro com o outro modificam a formação, tornando-a mais humana, mais problematizadora e mais conectada com o território que a universidade se insere.
Como o Forproex pode atuar junto ao novo governo para garantir o financiamento da Extensão nos próximos anos?
O Fórum Nacional tem trabalhado nesse sentido há muito tempo, buscando apoio em bases parlamentares, mobilizando as regionais para estabelecerem interface com órgãos de fomento, incluindo a extensão nesses espaços. A gestão política exercida no âmbito do Forproex tem um alicerce sólido, que se renova e ganha novos ares a partir da eleição do governo Lula, que já sinalizou a abertura ao diálogo, a prioridade de investimentos na educação e sempre teve um olhar sensível para o ensino superior. Neste cenário de esperança, o Fórum tem se articulado, realizando visitas em Ministérios, trabalhando fortemente para recomposição do orçamento das IFES levando em consideração a expansão e a inserção curricular da extensão, lutando por um orçamento discricionário do MEC incluindo a extensão no plano plurianual. Também é válido destacar que recentemente foi apresentado pelo Fórum, ao governo, o Programa Universidade sem Muros. Com esse programa pretende-se a descentralização de recursos para a Universidade, para que desenvolvam Ações de Extensão, considerando que somos espaços com capilaridade nas diversas regiões do país, e temos capacidade imediata de atender a polí-ticas públicas em todas as áreas prioritárias da pauta governamental.
Considera que, com a inserção curricular, é possível aprimorar a condução de pesquisas em espaços de extensão?
Sem dúvidas, com esse movimento da inserção curricular, essa lógica apartada do tripé e a valorização de um eixo em detrimento do outro deve ser definitivamente superada. Não há que se falar em Universidade, sem considerar a indissociabilidade de fato, não de fala, mas de forma efetiva em que ensino, pesquisa e extensão se articulem e provoquem transformações necessárias para uma sociedade mais cidadã, mais justa, menos desigual. A relação entre pesquisa e extensão proporciona uma troca de saberes entre a academia e a sociedade. A pesquisa fornece a base científica para a extensão, enquanto a extensão alimenta a pesquisa com problemas e questões reais que demandam investigação. Essa interação contribui para a relevância e a aplicabilidade do conhecimento gerado pela universidade, evitando que ele fique restrito ao ambiente acadêmico. Ainda, através da extensão, os estudantes podem trabalhar em projetos que estejam diretamente relacionados a demandas e necessidades da comunidade, o que proporciona um contato mais próximo com os problemas reais e a possibilidade de realizar pesquisas aplicadas. A condução de pesquisas em espaços de extensão envolve uma colaboração estreita entre a universidade e a comunidade e diante dessa parceria, há uma troca de benefícios mútuos, pois a comunidade pode se beneficiar dos resultados da pesquisa, enquanto os pesquisa-dores têm a oportunidade de coletar dados e informações relevantes para o avanço do conheci-mento científico.
Quais premissas conceituais definem uma atividade acadêmica como extensão universitária passível de ser inserida no currículo? Sem aumento de carga horária, a inserção curricular pode prejudicar a formação dos estudantes em componentes optativos?
Primeiramente importante retomar o conceito da extensão para responder essa pergunta, pois este conceito precisa estar consolidado nas instituições: “A Extensão Universitária, sob o princípio constitucional da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, é um processo interdisciplinar educativo, cultural, científico e político que promove a interação transformadora entre universidade e outros setores da sociedade”. Portanto, a extensão não é qualquer atividade, não é qualquer ação sem método. A extensão tem metodologias próprias, precisa ser reconhecida como dimensão da formação acadêmica e está ancorada em diretrizes como: a Interação dialógica; Interdisciplinaridade e Interprofissionalidade; Indissociabilidade ensino, pesquisa, extensão; Impacto na formação do estudante e Impacto na transformação social.
Isso é basilar para se corrigir assimetrias, para conceber a educação como um projeto inclu-sivo capaz de superar desigualdades. Nesta perspectiva, entendemos que todas as premissas conceituais supramencionadas são passíveis de ser inseridas no currículo. Quanto à carga horária, não acredito que o não aumento da carga horária vá atrapalhar a formação, haja vista que o exercício de olhar para os currículos impulsionado pela extensão foi muito necessário, e a Universidade precisa aprimorar a estrutura curricular, com objetivo de ampliar e modernizar a formação acadêmica. A sala de aula não pode ser mais o único espaço de aprendizado, estamos vivenciando uma nova sociedade, precisamos incluir outras possibilidades para aprendizagem, para o ensino de outras habilidades. Nossa grande preocupação deve ser ainda monitorar se esses novos currículos não estarão apenas cumprindo a legislação, sem transformação prática que de fato provoque mudanças na relação da universidade com a formação do estudante e com a sociedade.
A UnB utiliza diversas estratégias para mobilizar a comunidade acadêmica, como o Fórum Permanente de Inserção Curricular da Extensão. Quais estratégias deram certo na Universidade Federal de Jataí para sensibilizar os docentes e estudantes?
Estabelecemos um grupo de trabalho definido como Comissão de Avaliação e Acompanhamento das Atividades de Extensão como Componente Curricular nos Cursos de Graduação da UFJ. Este grupo é composto por docentes, discentes, servidores técnicos que têm trabalhado para apoiar a modificação dos PPCs e também acompanhando os cursos que estão com a extensão no currículo já implementada.O trabalho dessa comissão tem sido fundamental para apoiar os cursos, tirar dúvidas, acompanhar e monitorar o processo a fim de corrigir distorções e buscar um processo mais integrado.
Com toda a comunidade acadêmica atuando na extensão, como melhorar os mecanismos de avaliação das ações de extensão universitária?
Será um desafio criar estratégias efetivas para avaliação ao longo dos próximos anos. Nesse sentido, os indicadores de extensão pactuados no âmbito do Forproex servirão de base para o acompanhamento sistemático. É fundamental que as instituições se apropriem e realizem avaliações periódicas para verificar os desdobramentos da inserção curricular, desse modo, é possível ir ajustando pontos frágeis e fortalecendo aquilo que tem dado certo.
Durante a pandemia, a Extensão teve que se renovar e encontrar outros métodos de conexão entre a Universidade e a Sociedade. Como as ações de ensino remoto podem ser incorporadas atualmente para o sucesso da inserção curricular?
A pandemia nos levou a buscar um reposicionamento rápido e que fosse capaz de minimizar o impacto negativo do distanciamento social. Nesse sentido, as tecnologias de informação e comunicação foram aliadas de primeira ordem e conseguiram atender a uma lacuna que esse processo traumático causou. É importante ponderar que apesar da inquestionável contribuição, devemos ver com cautela o uso dessas tecnologias, uma vez que não são inclusivas e por vezes não abarcam comunidades e territórios em que a universidade deve estar presente. O seu uso deve responder a premissas básicas já discutidas aqui, em especial do conceito de extensão e suas diretrizes, mais especificamente da relação dialógica. A ação em questão permite essa dialogicidade? É importante ressaltar que a extensão por meio do ensino remoto requer um planejamento cuidadoso, orientado, que considere as características do público que se deseja atingir, a seleção adequada das ferramentas tecnológicas, a capacitação dos envolvidos e a avaliação contínua do processo. Além disso, é fundamental garantir a acessibilidade digital e o suporte necessário para os participantes.Tendo essas premissas observadas e garantidas, essas tecnologias podem facilitar a colaboração e o trabalho em rede entre diferentes instituições, ampliando parcerias, compartilhando recursos, conhecimentos e experiências e fortalecendo a interação e a cooperação entre os envolvidos.