Fernando Haddad fez uma fala forte, mas sem perder a esperança, na abertura da 21ª Semana Universitária da Universidade de Brasília (UnB). O ex-ministro da Educação foi o convidado especial do evento que começou na segunda (27) e vai até 1º de outubro. Em formato virtual por conta da pandemia de covid-19, a transmissão do evento teve mais de 3 mil visualizações e pode ser assistida no canal da UnBTV no YouTube.
Haddad lembrou da última vez em que esteve presencialmente na UnB, em um protesto pela liberação de recursos para a rede federal de educação superior, em maio de 2019. “A educação foi o primeiro setor que se manifestou contra o desmonte das políticas públicas. A pandemia afetou nossa capacidade de mobilização, mas a educação sempre será o maior desafio para um governo”, disse.
O ex-ministro dividiu sua fala em três momentos: primeiro, o desalento sobre o passado da educação brasileira, depois, a apreensão em relação ao presente, mas por último tentando trazer uma mensagem de esperança de tempos melhores. Ele destacou que o Brasil foi o último país da América do Sul a ter uma Universidade, além de ser o último país a abolir a escravidão. O Brasil também impedia os analfabetos de votar, mesmo sem começar nenhum processo sistemático de alfabetização. O país também investiu menos que todos os outros países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) em educação. “As portas da Universidade se mantiveram fechadas para o povo até o final do Século XX. Estamos falando de um país que não investiu no seu povo, não acreditou que a educação seria um caminho para preparar as futuras gerações”, lamentou.
Ele também lembrou que a ditadura militar reprimiu dois dos maiores educadores do Brasil. Paulo Freire, homenageado pela Semana Universitária, foi perseguido, preso e exilado por defender uma educação emancipadora, depois de ter escrito uma obra monumental, que mantém sua atualidade. Anísio Teixeira, um dos fundadores da Universidade de Brasília, também teve contribuição inestimável, mas foi sequestrado e assassinado pela ditadura militar, fato esclarecido pela Comissão da Verdade.
“A Constituição de 1988 marcou uma guinada”, avaliou Haddad. Segundo ele, dedicando um capítulo inteiro à educação, a CF/88 foi capaz de projetar um futuro melhor, que foi construído apenas a partir do século XXI. “Passamos a encarar a educação da creche à pós-graduação, com o desafio de investir em todo o ciclo educacional”, afirmou o convidado.
Haddad foi ministro da Educação entre 2005 e 2012, nos governos de Lula e Dilma Rousseff. Para ele, vários movimentos sociais – movimento negro, feminista, indígena, pela educação de jovens e adultos – viviam um momento de grande mobilização naquele período. “Vivi um momento abençoado”, conta. "Interagir com essas demandas e poder responder de forma a criar a sensação de que o Brasil iria enfrentar o seu maior desafio. Eu imaginava que o Brasil tinha encontrado o caminho de uma política suprapartidária, de Estado, que contava com apoio até da oposição.”
É assim que ele chega no momento de apreensão com a situação atual. “Não deixa de ser uma surpresa o que está acontecendo agora”, avaliou. "A angústia é de ver o desmonte de políticas públicas consagradas, como é o caso da expansão do acesso à educação superior.”
O professor defendeu seu legado, que permitiu o acesso do filho do trabalhador, do estudante de escola pública, do negro, à Universidade. Durante sua gestão no MEC, foram criadas 18 novas universidades federais e 173 campus universitários, além de 360 institutos federais. O número de universitários saltou de 505 mil para 932 mil entre 2003 e 2014. “As mulheres respondem por mais de 40% da produção científica, os negros são mais de 50% dos estudantes das universidades federais. Vemos tudo isso em risco.”
Ele não poupou críticas ao atual ministro da Educação, Milton Ribeiro. “Vemos o ministro da Educação falar que a universidade é para poucos, quando na verdade o mundo descobriu que é para todos que quiserem fazer. Vemos um ministro falar que pessoas com deficiência atrapalham em sala de aula. O Brasil, em cinco anos, conseguiu incluir 400 mil crianças com deficiência em salas regulares. Ele está falando de pessoas que, só agora, passaram a ser atendidas pelo poder público conforme manda a lei.”
Haddad avaliou que o Future-se, programa formulado pelo MEC no governo atual, fracassou completamente. “Era péssimo, tão ruim que nenhuma universidade aderiu. poderia tornar irreversível a recuperação das universidades.”
Mas apesar dos ataques que a educação pública recebe, tanto do ponto de vista financeiro quanto do ponto de vista pedagógico e administrativo, a mensagem de Haddad foi de esperança. “A educação é o setor que mais condições tem de recuperar o que está sendo destruído”, analisou.
Para ele, o período pós-pandemia será desafiador, mas o Brasil tem capacidade de superar, sobretudo por conta dos investimentos que a sociedade fez na atual geração: Reuni, Prouni, institutos federais.
“Tem muita gente querendo mudar o Brasil”, disse. “Quem está dizendo isso para vocês é uma pessoa que entrou aos 18 anos na universidade e nunca mais saiu. A universidade brasileira mudou de cara e de cor, é outra. Você vê que a consciência histórica dessa geração é de qualidade diferente de todas as gerações precedentes.”
Haddad propôs que, na retomada presencial pós-pandemia, será necessário pensar projetos político-pedagógicos inovadores, com maior flexibilidade curricular, sobretudo nos primeiros dois anos de graduação. “Há uma gama de possibilidades à mão, que vão qualificar muito os itinerários formativos e garantir que as pessoas não parem de estudar nunca na vida”, pontuou.
Para ele, a extensão é parte fundamental disso, principalmente com a necessidade de inserção curricular nos projetos pedagógicos de todos os cursos de graduação, de acordo com a meta 12.7 do Plano Nacional de Educação (PNE), que prevê o mínimo de 10% do total de créditos exigidos aos cursos de graduação para programas e projetos de extensão universitária.
“A extensão fazia pouco sentido numa universidade tão elitizada quanto a de 30 anos atrás. A universidade desconhecia a realidade social do país. As pessoas precisam conhecer o Brasil e tem duas maneiras complementares de fazer isso: uma é colocar o Brasil dentro da universidade, a outra é colocar a universidade dentro do Brasil.”
ABERTURA – Assim como no ato político, a sessão solene de abertura da 21ª Semana Universitária adotou um tom de defesa da educação pública. O coordenador geral do Diretório Central dos Estudantes (DCE Honestino Guimarães), Bruno Zaidan, destacou que a jornada de defesa da educação pública é muito importante.
“As universidades têm sido muito atacadas com corte de verba, intervenções nas reitorias e ataques à autonomia", disse. “A UnB tem cumprido um papel fundamental, junto com outras universidades públicas.”
O presidente da Associação de Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB), Jacques De Novion, destacou a luta contra a PEC 32, da Reforma Administrativa, que pode afetar o funcionamento das universidades. Por outro lado, ele avaliou que a Semana Universitária fortalece nossa missão institucional de diálogo com a sociedade na busca de alternativas para os problemas que o Brasil enfrenta.
Alexandre Pilati, diretor técnico de Extensão da UnB, falou das mais de 1.500 atividades que promovem a extensão universitária. Para ele, o caráter de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão é a marca da Semuni. “A extensão é a grande mediadora entre a universidade e sociedade, é onde a obra de Paulo Freire encontra sua atmosfera ideal”, disse Pilati.
As inscrições para a Semana Universitária, que vai até 1º de outubro, ainda estão abertas. O evento já tem mais de 32 mil inscritos. A decana de Extensão da UnB, Olgamir Amancia, comemorou os números.
“O compromisso da Universidade superou os desafios. Não é qualquer coisa, durante a pandemia, em modelo virtual, ter esse número de ações. Vocês encontram na programação dos departamentos uma agenda tão rica que certamente se envolverão”, convidou.
>> Confira aqui a programação da 21ª Semana Universitária
Confira a palestra de abertura com Fernando Haddad:
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