Defensora do ensino da filosofia a jovens mentes, Marilena Chaui abre a Semana Universitária 2018, no próximo dia 24

Ativista, militante e educadora, a filósofa Marilena Chaui ousou desafiar períodos em que pensar sobre o pensamento era considerado subversivo. Hoje, aos 77 anos, ela traz à Universidade de Brasília reflexões sobre a transformação da educação pública brasileira e a autonomia universitária no contexto de discussão de direitos e congelamento de recursos destinados à educação.

Marilena Chaui abre a Semana Universitária 2018 da UnB. Foto: Arquivo pessoal

 

Chaui é presença confirmada na abertura da Semana Universitária 2018, em 24 de setembro. No período da manhã, ela recebe o título de Doutora Honoris Causa da Universidade de Brasília, em cerimônia marcada para acontecer no Memorial Darcy Ribeiro, o Beijódromo. À noite, no auditório da Associação dos Docentes da UnB (ADUnB), um colóquio ministrado pela filósofa inaugura oficialmente as atividades da Semana.

Na entrevista a seguir, Marilena Chaui conta um pouco de sua trajetória na defesa do ensino da filosofia e de sua conexão com a universidade. "Não podemos pensar a educação simplesmente como transmissão de conhecimentos ou adestramento para a entrada no mercado de trabalho. Deve ser encarada como um instrumento de formação para a cidadania e da cidadania." Confira:

Secom: A senhora é filha de jornalista e professora. Como surgiu seu interesse pela filosofia?

Marilena Chaui: Meus pais despertaram em mim o gosto pela leitura e pela escrita. Desde muito cedo aprendi o prazer do conhecimento e o respeito pela escola pública, onde minha formação aconteceu quase integralmente. O entusiasmo pela filosofia nasceu das aulas extraordinárias do professor João Villalobos, no Colégio Estadual Presidente Roosevelt. Ele ministrou um curso de lógica para nossa classe de adolescentes de 16 anos. Fiquei deslumbrada com o fato de que o pensamento era capaz de pensar sobre si mesmo, que a linguagem podia falar de si, que perceber e conhecer poderiam não ser sinônimos. O mundo se tornava, ao mesmo tempo, estranho, paradoxal e espantoso. A descoberta da racionalidade como problema abria um universo de saber ilimitado no espaço e no tempo.

Secom: Que experiências marcaram o início de sua trajetória na área, enquanto mulher?

Marilena Chaui: Minha classe na graduação era majoritariamente de mulheres, mas, naquela época, a condição feminina não era tema de debate. Mesmo assim, não me esqueço da fala de um professor, no primeiro dia de aula: "O que as violetinhas estão fazendo aqui? Marido é no curso de Letras". Ficamos escandalizadas – é claro! –, mas em silêncio. Em 1967, ingressei como professora do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo, após defender dissertação de mestrado. Foi um ingresso inesperado para mim e, pelo que me contaram tempos depois, foi controvertido para outros. Inesperado porque eu tinha o intuito de ser professora no ensino secundário, por estar convencida da importância formadora da filosofia. Controvertido porque o professor que dirigia o departamento não via com bons olhos a contratação de mulheres para a universidade, sua maior objeção (compartilhada por vários professores) era a maternidade. Tempos mais tarde, eu soube que um dos professores, favorável ao meu ingresso, galhofeiramente propusera ao departamento minha esterilização, já que minha fertilidade causava tanto mal-estar.

Secom: Como vê os rumos da luta pela igualdade de gênero?

Marilena Chaui: Hoje, depois de quatro décadas de lutas contra a discriminação e a favor da igualdade de gênero, parece incrível que tolerássemos tanta agressividade e que, contra ela, tenhamos conseguido reconhecimento e respeito no mundo acadêmico e fora dele. No entanto, tenho me perguntado se a violência da discriminação, contra a qual lutamos durante quase 40 anos e que hoje julgamos inaceitável, não nos espantaria muito mais ao vê-la retornar à superfície da sociedade brasileira, sem pejo nem disfarce, nesse tempo sombrio em que vivemos, no qual os preconceitos de gênero, étnicos, religiosos, sociais e políticos se exibem com ferocidade, atingindo-nos como uma avalanche que, até há pouco, supúnhamos inconcebível.

Secom: A senhora foi uma das primeiras paraninfas de turmas da UnB no momento da redemocratização. O que significou essa experiência, considerando não apenas o contexto do país, mas o pessoal, naquele momento?

Marilena Chaui: A colação foi uma experiência de tempos heroicos, pela qual sinto muita emoção e gratidão. Apesar de haver preparado um discurso longo sobre as lutas contra a ditadura e a importância de criarmos uma sociedade democrática, afirmando a presença da universidade pública na vida do país, não fui até o fim de minha fala. Os aplausos, a euforia do público e o desejo das famílias de comemorar com seus jovens formandos tomaram conta do evento. Encerrei minhas palavras com a esperança de novos tempos.

Secom: A Semana Universitária da UnB reúne centenas de atividades para aproximar universidade e sociedade. Qual o papel da extensão na defesa de uma educação pública e democrática de qualidade?

 

Marilena Chaui: Uma sociedade – e não apenas um regime de governo – é democrática quando, além de eleições, partidos políticos, divisão dos três poderes, respeito à vontade da maioria e das minorias, institui algo mais profundo, que é condição do próprio regime político, ou seja, quando institui direitos. Ao tomar a educação como um direito do cidadão, a extensão universitária revela sua importância, pois relaciona universidade e sociedade em termos de direitos da cidadania e nos leva a compreender que não podemos pensar a educação simplesmente como transmissão de conhecimentos ou adestramento para o mercado de trabalho, e, sim, como formação para e da cidadania.

 

SERVIÇO – Para conhecer mais sobre as ideias de Marilena Chaui, basta comparecer ao auditório da ADUnB, no campus Darcy Ribeiro, na última segunda-feira do mês, 24 de setembro. 


O colóquio que abrirá a Semana Universitária começa às 19h. A atividade é gratuita, aberta para toda a comunidade, acadêmica e externa, e estará sujeita à lotação do espaço.

 

Chaui permanece na Universidade de Brasília até o dia 26 de setembro, quando encerra as atividades do colóquio que discute e reflete sobre seu trabalho e obra, organizado pelo Departamento de Filosofia (FIL) da UnB.

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